Jane Moura é presidente da ONG Empodera – Transformação Social pelo Esporte, parceira da ONU Mulheres na implementação do programa Uma Vitória Leva à Outra no Brasil. Até o final de 2020, quase 2 mil meninas adolescentes, de 10 a 18 anos, do município do Rio de Janeiro, terão sido diretamente beneficiadas pelo acesso à prática esportiva e a oficinas para o desenvolvimento de habilidades para a vida. Quando combinado com a construção de espaços física e emocionalmente seguros, o esporte é uma poderosa ferramenta para a garantia de direitos e o desenvolvimento do pleno potencial de meninas mulheres.
“Na maioria das vezes, quando as adolescentes iniciam no programa Uma Vitória Leva à Outra, elas não sabem exatamente o que são direitos e muito menos quais são os direitos delas.
No entanto, o que elas realmente podem fazer quando adquirem essa informação? O acesso ao esporte, por exemplo, é um direito garantido por lei. Mas, na realidade, o que vemos é que as meninas, especialmente na fase de adolescência, precisam enfrentar tantas barreiras a mais do que os meninos, que elas acabam não conseguindo exercer o seu direito de praticar uma atividade esportiva.
Ou seja, não basta que elas conheçam quais são os seus direitos, elas precisam se dar conta de seu potencial, das habilidades que já possuem e das que têm total condições de desenvolver. E, tão importante quanto, precisam adquirir recursos e ferramentas para lutar pelos próprios direitos e ultrapassar os limites socialmente impostos pelo simples fato de serem meninas. E, assim, se perceberem como agentes de transformação da própria realidade e da realidade de outras meninas e da comunidade como um todo à sua volta.
Essa é uma parte da equação, mas não é tudo. Seria injusto colocarmos somente sobre as meninas a responsabilidade total de mudar o contexto em que vivem. Por isso, no âmbito do programa Uma Vitória Leva à Outra, a Empodera trabalha com o treinamento e a formação continuada de outras organizações da sociedade civil, para que elas possam também atuar da forma correta junto a meninas adolescentes e, assim, potencializar o alcance e o impacto do trabalho.
A criação de redes de organizações que tenham propósitos semelhantes e complementares é essencial para que as meninas tenham suporte significativo na garantia de seus direitos. Até o ano de 2019, 49 organizações que trabalham com o esporte para o desenvolvimento e a mudança social já foram treinadas pela Empodera na metodologia do programa Uma Vitória Leva à Outra. Atualmente, a maior parte dessas organizações se conhece, compartilha experiências e boas práticas e busca apoio, quando necessário, para a resolução de desafios relacionados ao aumento da participação de meninas e mulheres no ambiente esportivo e à oferta de condições necessárias para o avanço da igualdade de gênero dentro das organizações e nas comunidades do entorno. A estruturação da Rede de Gênero e Esporte potencializará ainda mais esse fortalecimento institucional.
Além de unir esforços entre organizações de esporte, também procuramos construir e fazer parte de redes que estejam aptas a dar às meninas o apoio necessário em relação aos temas trabalhados pelo currículo do programa: desenvolvimento da autoestima e das habilidades de liderança, garantia de saúde e direitos sexuais e reprodutivos, enfrentamento à violência de gênero, conhecimentos financeiros e acesso ao mercado de trabalho. O enfrentamento à violência contra meninas e mulheres é um dos temas que só pode ser efetivamente endereçado com o apoio de uma rede de organizações que tenham o conhecimento e o domínio dos mecanismos necessários para encaminhar os casos e responder da forma mais apropriada a cada contexto.
Além de unir esforços pela mesma causa, aprendemos que também é necessário fornecer ferramentas e recursos práticos e estruturados, que construam uma base comum e que garantam a qualidade da implementação do programa entre as diversas organizações. Usamos como referência principal os materiais desenvolvidos pela parceira técnica do programa Uma Vitória Leva à Outra, a ONG Women Win, e os adaptamos ao contexto nacional e local. Por meio de guias; exemplos de políticas de proteção e enfrentamento ao abuso e ao assédio; ferramentas de avaliação de organizações quanto à inclusão de gênero e à criação de espaços física e emocionalmente seguros para meninas; e do próprio currículo do programa, provemos instrumentos concretos para que todas as organizações implementadoras avancem na aplicação das melhores práticas. Frequentemente, recebemos retorno de funcionárias e dirigentes dessas organizações sobre como esses instrumentos têm gerado reflexão e transformações concretas no desenvolvimento de políticas e na gestão de outros projetos executados naqueles espaços.
Medidas como essas têm mudado profundamente a vida de diversas meninas adolescentes e nós não nos cansamos de colecionar e divulgar histórias transformadoras e poderosas. Temos exemplos de meninas criando e liderando grupos em suas escolas para abordar com as colegas de classe temas que são trabalhados no programa, como igualdade de gênero e enfrentamento ao racismo; de meninas orientando seu grupo de amigas sobre como se proteger da violência e buscar ajuda; e de meninas dando entrevistas e participando de campanhas midiáticas com mensagens muito precisas sobre a importância da participação igualitária de meninas e mulheres nos esportes. Ou seja, essas meninas se deram conta das violações de direitos que sofrem no dia a dia, entenderam que são situações que não afetam somente a elas mesmas, mas a outras meninas à sua volta. Conscientes de suas capacidades, munidas de informação e conhecimento e apoiadas por instituições sérias e comprometidas, elas conseguem pensar em estratégias eficazes de como impactar positivamente a realidade em que vivem e se tornam protagonistas de suas histórias”.
Foto: ONU Mulheres/Alex Ferro
